Por Claudia Miranda Gonçalves (*)
Quem nunca ouviu falar em Governança Corporativa? Com certeza os irmãos Lever, Sam Walton e Karl Benz, pai da Mercedes (uma menina que sim, virou nome de carro) jamais ouviram falar em governança ou se preocuparam com stakeholders. Naquela época, o controle de capital e a gestão de uma empresa estavam na mão da mesma pessoa ou grupo familiar. Mas, com a expansão do mercado, entrada de novos investidores, capital e controle foram separados.
A partir do momento que existem grupos de investidores, conselhos, comitês, CEO e diretores, percebemos quantos são os stakeholders envolvidos na capitalização e gestão de uma organização? E é exatamente devido a eles (lembrando ainda de fornecedores, parceiros e consumidores) que a governança corporativa torna-se imprescindível: gestão que objetiva garantir alinhamento de interesses de todos os stakeholders, modelo claro de tomada de decisões para atingir os objetivos do negócio e transparência no compartilhamento de informações. Esta é a minha definição simplificada e clara. Segundo o Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) “é o sistema pelo qual as empresas e demais organizações são dirigidas, monitoradas e incentivadas, envolvendo os relacionamentos entre sócios, conselho de administração, diretoria, órgãos de fiscalização e controle e demais partes interessadas”.
Então governança corporativa é algo recente e se aplica apenas quando a empresa possui capital aberto e acionistas a quem deve retorno e satisfação? Não, não é bem assim. A necessidade da governança surge no momento em que o interesse da empresa não é priorizado em detrimento do interesse de outra parte. Portanto se um sócio de uma pequena empresa tem mais interesse em suas retiradas e pró-labore do que na longevidade e sustentabilidade do negócio, existe um conflito e, sim, uma falta de governança. Mas antigamente as pessoas não sabiam muito sobre isso.
Atualmente, os conflitos que acontecem em uma organização são diversos, desde aprovação de projetos com foco em bônus, exposição desnecessária a risco até omissão de informações estratégicas. Devido a tantos casos de má gestão e práticas fraudulentas, a governança cresce no mercado. Em 2002, foi aprovada nos EUA a primeira lei envolvendo governança corporativa, conhecida como SOX, que protege investidores e lista regras e requerimentos para empresas de capital aberto. No Brasil, houve um avanço na regulamentação de empresas públicas e as iniciativas do IBGC já trazem regras e normas para certos tipos de empresa. Tais normas são focadas em quatro pilares que são transparência, equidade, accountability e responsabilidade corporativa.
Dessa forma, hoje, a maioria as empresas consideram práticas de governança e estas passaram para o topo de prioridades porque, sim, trazem muitos benefícios na gestão e perenização do negócio e deixam claras as normas de gestão. Independente da indústria, legislações, tamanho da empresa, estrutura de capital e modelo de gestão, uma empresa precisa de transparência, comunicação clara, foco nos objetivos corporativos, respeito a todos os stakeholders e direcionamento estratégico.
Na prática podemos iniciar a implementação de governança respondendo as seguintes perguntas:
Quais os objetivos de médio e longo prazo, financeiros e não financeiros, da minha empresa?
Quais os principais tópicos / decisões estratégicas e operacionais do meu negócio?
Quem são os principais executivos que tomam as decisões (CEO, diretores, gerentes…)?
Existe uma hierarquia clara acima e abaixo do CEO?
Quais as principais formas de troca de informações e comunicação interna na minha empresa?
A partir das respostas iniciais, passamos para as definições de algumas práticas:
Qual escopo de decisão de cada executivo da empresa? Até que valor monetário ele pode aprovar sem consultar superiores?
Qual melhor forma de remuneração variável para executivos e funcionários?
Como melhor organizar a gestão executiva? Qual frequência de interações? Quais principais canais de comunicação? Qual deve ser a pauta de reuniões?
Como funciona a estrutura acima do CEO? Qual a formação ideal de Conselho Administrativo, suas responsabilidades, regras e escopo?
Quais comitês podem ser criados para garantir funcionamento e fiscalização? Comitê fiscal? Comitê de auditoria? Como a área de compliance e regulamentação se relacionam?
Como classificar informações estratégicas versus operacionais? Quem deve ser comunicado, sobre qual assunto e através de que canal?
Quais normas de conduta devem ser implementadas para garantir alinhamento de interesses de todos os stakeholders com foco nos objetivos da empresa?
Com a implementação no nível executivo, a governança torna claros os papeis dos gestores, de cada área, a estrutura da empresa, processo decisório e direcionamento do negócio. A partir daí, as normas e processos, gestão do middle management, valores e auditorias serão influenciadas e também devem ser revisadas. As bases para boas práticas não devem ter foco regulatório e normativo mas na adoção de processos que facilitem a administração ética, inclusiva e estratégica.
Muito se fala hoje na necessidade de as empresas serem mais ágeis com funcionários independentes e inovadores. O desenvolvimento e implementação de governança que darão poder para funcionários tomarem mais e melhores decisões sem necessidade de validação, afinal ela define as regras do jogo. Mas isto já assunto para uma outra conversa.
(*) Cristine Leal é administradora e consultora de empresas há 20 anos, com experiência em empresas familiares, novos negócios, startups, change managemen e gestão de projetos. Trabalha atualmente na Ikigai com passagem pela McKinsey&Company e MBA pela Universidade de Michigan.
Fonte: O Estado de S. Paulo, em 05.12.2018.