Por Aphonso Mehl Rocha (*)
Muito tem se comentado sobre a importância da função de compliance na governança das empresas, sobre como a existência de estruturas de compliance corporativas seria de fundamental importância para a sua sobrevivência e previsibilidade de resultados.
Fato cada vez mais evidente, grandes corporações transnacionais se veem atualmente desafiadas não somente pela necessidade de conformidade com ordenamento regulatório de cada país em que operam, mas também se deparam com a necessidade de assegurar comportamento ético de acordo com cada nação e cada cultura, o que pode significar muito mais que o simples respeito à legislação local.
No caso específico da Nissan-Renault, os detalhes que permitiriam uma análise mais aprofundada ainda não foram publicados. Mas, as informações disponíveis apontam para sonegação de impostos em valores consideráveis por meio de alegada conspiração e subdeclararão de remuneração pessoal do executivo no período de 2010 a 2015, quando aproximadamente metade de uma renda de mais de R$ 334 milhões teria sido indevidamente omitida do fisco japonês.
Ainda de acordo com a imprensa japonesa, teriam sido gastos US$ 18 milhões de uma subsidiária da Nissan em imóveis de luxo no Rio de Janeiro e em Beirute, investimentos sem aparente conexão com as atividades de negócio da empresa e sem a transparência esperada pelos reguladores. Estas transações foram identificadas a partir de programa de colaboração premiada existente em troca de redução de pena de envolvidos.
Já com Carlos Ghosn, destituído de suas funções executivas em Grupos Nissan-Renault e Mitsubishi, a Nissan confirma que seu principal executivo teria ocultado renda pessoal por vários anos, além de outros ilícitos, como utilização de bens da empresa para fins pessoais.
À Nissan resta colaborar com as investigações, embora o dano à imagem da empresa já tenha sido relevante, com impacto material sobre a marca e valor de mercado.
Temos que entender neste contexto o caráter preventivo da função de compliance na empresa. Verificar aqui como casos como esse poderiam ter sido evitados. A existência de políticas de conduta genéricas que contemplem práticas ilegais ou mesmo antiéticas pode muito bem não cobrir todas as hipóteses de esquema de remuneração de executivos e não possuir mecanismos para, uma vez identificado o modelo de remuneração atípico, garantir que este modelo de remuneração seja criticamente apreciado por todos os envolvidos (ou seus representantes), notadamente acionistas e reguladores, de modo a identificar potenciais conflitos de interesse que possam contaminar decisões corporativas.
Deve-se entender que um modelo de gestão de riscos de compliance precisa ser constantemente ajustado a partir do histórico de ocorrências como essa. Assim, modelos de risco, políticas e controles podem ser dinamicamente aprimorados de modo a garantir a sustentabilidade de grandes empresas. A conformidade com regulamentação e boas práticas de cada país impõe desafios enormes para grandes corporações, seus acionistas, fornecedores e funcionários, que só serão endereçados em caso de receberem a devida priorização e foco por parte de todos os stakeholders.
Ainda que informações publicadas sobre o caso façam referência à colaboração premiada para redução de pena a acusados, não se faz referência à existência ou mesmo nível de eficácia de canal de denúncia interna da empresa o qual, de acordo com padrões de compliance, poderia e deveria ter sido usado para denúncias de ilícitos ou até mesmo para solicitação de esclarecimentos sobre a materialidade do ocorrido.
Mais do que uma estrutura de controles, compliance deve ser o grande e eficaz vetor de mudanças de empresas que buscam resultados sustentáveis de modo saudável.
(*) Aphonso Mehl Rocha é consultor nas áreas de compliance, governança, auditoria e gestão de riscos. Foi head de compliance do BNP Paribas, do Banco Bradesco e do BancoHSBC.
Fonte: O Estado de S. Paulo, em 05.12.2018.