Por Dra. Adriana Gasparian (*)
Um dos conceitos do termo jornada refere-se a um caminho a ser percorrido dentro de um espaço de tempo. Por esta razão, este substantivo encaixa-se perfeitamente quando falamos em compliance na saúde. Ou seja, não estamos falando de algo que acontecerá instantaneamente, ainda que seja uma mudança desejada pela maioria e tão pouco deve-se supor que todas as instituições percorrerão este caminho no mesmo tempo. Estas considerações preliminares, aparentemente óbvias, são essenciais para a compreensão real do trabalho a ser feito para que um programa de compliance seja bem-sucedido neste setor.
Na busca pela integridade dos seus negócios e, especialmente, pela transparência das suas práticas, cada vez mais as instituições de saúde realizam investimentos em programas voltados para a área sem atingir o sucesso esperado. Isso ocorre, na maioria dos casos, pela ineficiência dos programas de compliance. Se optarmos simplesmente por copiar um modelo e nos conformarmos em montar um programa que se preocupe basicamente em seguir o passo a passo das cartilhas, não atingiremos os objetivos desejados, como acontece em grandes empresas de outros segmentos.
A efetividade do combate à má conduta sistematizada organizacional está diretamente ligada ao envolvimento de todos os funcionários no processo, desde a alta liderança até o nível operacional da empresa.
Apesar de o conceito antigo considerar estar em compliance apenas como atendimento regulatório, na atualidade o termo tem sido compreendido também no posicionamento ético das organizações. Esta diferença sutil traz a possibilidade de vivenciar o compliance de maneira prática no dia a dia das instituições e permite que ele permeie todos os níveis hierárquicos, atingindo inclusive a base da instituição.
Se para outros setores que tratam este tema há muito mais tempo tornar um programa de compliance eficiente é complexo, na área de saúde a situação é ainda mais sensível e complexa: o profissional da saúde vivencia no seu dia a dia alguns dilemas éticos, como a pressão por resultados x assistência ao paciente (custo pela incorporação de novas tecnologias), o livre exercício da medicina, levando em conta as regras dos planos de saúde aos quais deve se submeter, que impactam diretamente a vida humana. Em função disso, incorporar boas práticas de compliance nas instituições de saúde proporciona grandes benefícios ao setor.
Além da transparência médica, vivenciamos um momento em que a sociedade tem questionado mais de perto a ética na área da saúde tendo em vista, por exemplo, o escândalo envolvendo grandes instituições relacionado à máfia das próteses. A atividade médica assistencial, que desde os primórdios era tida como nobre e de posicionamento ético inquestionável, tem passado por questionamentos por parte da opinião pública, que encontra nas mídias sociais um meio mais acessível para externar suas opiniões.
O caminho parece sem volta. As instituições de saúde precisam estar preparadas para o empoderamento do paciente, estruturando uma cultura de compliance que tenha o mesmo peso que uma acreditação ou certificação de qualidade.
Devemos e queremos fazer com que a ética organizacional seja construída tendo como alicerce a ética individual, cabendo à organização criar um ambiente propício para que cada colaborador desenvolva o sentimento de pertencimento e exercite nas suas atividades diárias os valores éticos indispensáveis para tornar um programa de compliance efetivo.
(*) Dra. Adriana Gasparian é Gerente de Controles Internos do Hospital Santa Paula.
Fonte: Saúde Business, em 08.01.2019.