Com o auditório da Escola de Magistratura Federal da 1ª Região (Esmaf) cheio, teve início, na manhã desta quinta-feira, dia 24, o terceiro dia de debates do “III Fórum Jurídico – Combate à Corrupção em um Estado Democrático de Direito”, promovido pela Esmaf em parceria com a Procuradoria-Geral da República (PGR).
Com o tema “Do Mensalão à Lava Jato: Avanços e Retrocessos”, o procurador da República José Alfredo proferiu a primeira das cinco palestras previstas para o dia.
Atuante nos processos das duas operações, o procurador iniciou sua exposição destacando que muitas das vitórias obtidas no combate à corrupção nos dias atuais são frutos do trabalho de muitas pessoas no passado. “Sabemos que é um processo. Existiram vários trabalhos ao longo do tempo, de várias pessoas, algumas até aposentadas e que foram semeando pequenas vitórias, pequenos movimentos que ao longo dos anos vão se materializando”, disse.
José Alfredo explicou, ainda, que uma das metas do seu trabalho é tentar universalizar o Direito Penal. “O objetivo é tentar apresentar esse ente chamado Direito Penal para as camadas mais abastadas da nossa sociedade, pra que ela deixe de só conhecer essa área do Direito como sendo a que só prende os pobres, mas o que os protege também. Protege o seu dinheiro, protege os seus bens, o bem público”.
Segundo o procurador da República, o julgamento do caso Mensalão serve de estimulo positivo às instituições no sentido de que podem ter resultado do seu trabalho devido às penas que os autores da prática criminosa receberam. “O Supremo até o momento do julgamento do Mensalão havia condenado pouco em sua história, e em benefício do próprio Supremo é preciso dizer que até determinada época havia uma emenda que praticamente impedia que os processos tramitassem”, justificou.
Quanto à Lava Jato, José Alfredo ressaltou que o processo de investigação pode ser um fator de mudança no País em prol de uma mudança positiva. “A Lava Jato está ai, aberta. É hora de avançar. Tem espaço pra isso, e é o que a sociedade quer. (...) Temos que trabalhar firmemente para que a Lava Jato venha a ser a mudança de paradigma”, concluiu.
Economia do crime – Por que os crimes são cometidos? Porque valem a pena. Assim o juiz federal do Rio de Janeiro Erik Navarro iniciou sua palestra. Com o tema “Economia do crime”, ele explicou que a probabilidade de punição de um delito é baixa, por isso o benefício trazido pelo crime é superior à pena esperada. Para isso, a solução é aumentar a pena, que depende de uma reforma legislativa, ou aumentar a fiscalização e, consequentemente, a probabilidade de punição.
O magistrado apontou que o ser humano não é totalmente racional, existem diversas falhas de raciocínio, tendendo a superestimar as suas habilidades e a subestimar a chance de coisas ruins acontecerem. É o que acontece com quem comete a corrupção, “na cabeça dele a chance de acontecer alguma coisa é muito pequena porque está tudo muito bem engendrado, e a chance de ser punido é baixa, na cabeça dele, e possivelmente menor que a chance real”.
Segundo Navarro, se a chance de punição for baixa, não adianta aumentar a pena. Por isso é tão importante melhorar a percepção penal do Brasil. “É necessário que os procedimentos punitivos sejam céleres, as penas não necessariamente precisam ser tão altas, mas é preciso que elas sejam aplicadas rapidamente, e nesse cálculo de tamanho da pena versus chance de punição não podemos nos esquecer de que todo o ser humano é um inveterado otimista”, encerrou.
Combate à lavagem de dinheiro – Explicar a ligação entre corrupção e lavagem de dinheiro e o papel do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) no combate desses crimes. Esse foi o mote da palestra “O Sistema brasileiro antilavagem de dinheiro”, proferida pelo delegado da Polícia Federal Márcio Anselmo.
Segundo ele, a investigação do crime de lavagem de dinheiro é mais fácil, já que este deixa rastros. “Muitas vezes você não consegue acompanhar uma tratativa de um acordo ou um caso de corrupção, mas você consegue rastrear esse dinheiro”, explicou.
Com dados apresentados, o delegado mostrou o prejuízo financeiro causado pela corrupção no Brasil. “Um estudo da FGV fala que a gente perderia em torno de 5% do PIB em razão da corrupção pública e deixaria de crescer em torno de 2% ao ano em razão da corrupção”, expôs Anselmo.
Para combater a lavagem de dinheiro, o palestrante afirmou que tratados internacionais como a Convenção de Viena são muito importantes, pois é por meio deles que os países se comprometem a criminalizar a lavagem de dinheiro nas suas jurisdições. Internamente, a lei de lavagem de dinheiro (9.613/98) criou o Coaf que investiga movimentações financeiras que são potencialmente suspeitas de lavagem de dinheiro. “Movimentações em espécie, conjunto de movimentações pequenas que pelo total fujam do padrão daquela conta, quando o cliente se recusa a fornecer dados, uma série de operações feitas em sequência se uma razão aparente, e assim por diante”, exemplificou.
Colaboração premiada – A procuradora regional da República da 1ª Região Raquel Branquinho demonstrou um panorama dos avanços e desafios dos últimos 20 anos de combate à corrupção no Brasil e destacou a eficácia da colaboração premiada como meio de prova na investigação de crimes contra a Administração Pública.
Coordenadora da área criminal do Ministério Público Federal, a procuradora destacou que a lentidão do sistema judiciário para firmar jurisprudências sobre temas relevantes e o conservadorismo no Poder Judiciário ainda são causadores de insegurança jurídica e de entraves ao combate aos crimes de colarinho branco no País. “A jurisprudência é muito oscilante, e temos muita dificuldade de regulamentar de forma clara a punição dos atos de improbidade. A colaboração é importante para nós, mas não suficiente. Precisamos de um sistema, uma consolidação jurídica. Essas idas e vindas atrapalham muito qualquer consecução efetiva no trabalho de combate, garante a impunidade e fortalece o sistema de macrocriminalidade”, asseverou.
Raquel Branquinho ressaltou a importância da Constituição Federal de 1988 nesse contexto: “O marco do rompimento formal com a cultura do patrimonialismo foi a CF/88. São vários dispositivos que colocam a supremacia do interesse público. A luta por uma sociedade mais justa quando há a sistemática de corrupção é muito dura. Nós estamos ultrapassando esses limites, mas ainda com muita dificuldade. A regra é a publicidade, o controle social dos atos dos servidores públicos. Vários dispositivos constitucionais deixam claro que o interesse que deve prevalecer é o público e o social. Nosso Judiciário ainda é muito conservador, mas diante dos fatos incontestáveis das delações, começamos a ter uma mudança de postura”.
Outros avanços legislativos foram destacados pela procuradora, como a Lei da Ação Civil Pública e a Lei de Improbidade Administrativa. Raquel destaca que diversos temas processuais relativos a essas leis ainda são discutidos e estão pendentes de pacificação mais de 20 anos depois. Ainda assim, acredita que o Brasil avançou no combate à corrupção: “O saldo é positivo porque hoje vivemos uma realidade melhor que outros anos, mas é uma responsabilidade do Judiciário possibilitar que haja instrumentos eficazes dentro dos limites das garantias legais. Evitar que teses simplesmente procrastinatórias tenham ambiente tão propício. Estamos em outro patamar, e a colaboração premiada é, nesse momento, um dos instrumentos mais eficazes neste combate porque consegue mostrar o que acontece nas entranhas das organizações criminosas. Apesar de tudo, nós, enquanto instituições, vamos recuperando a energia de buscar efetividade no processo penal, que é a execução, e na área cível, o ressarcimento”, finalizou.
Acordos de leniência – encerrando o penúltimo dia de palestras do Fórum, o procurador da República Rodrigo Medeiros Lima apresentou a visão do Tribunal de Contas da União (TCU) sobre os acordos de leniência. Um dos sete procuradores atuantes na Corte, ele ressaltou que os acordos ainda são um instituto em desenvolvimento e que no âmbito do TCU os debates são constantes em busca de segurança jurídica para colaboradores, sociedade e poder público.
“Acordos de leniência em conjunto com acordos de colaboração figuram no direito penal consensual, onde se busca produzir mais e melhores provas e relativizar o histórico de impunidade. Precisamos atuar para preservar a segurança jurídica, essencial para a legitimidade desses acordos. Ainda que haja aqueles que criticam o instrumento, vemos muitos resultados positivos e não cabe às instituições atuar para enfraquecê-lo”, ponderou.
O procurador mostrou alguns pontos que ainda são objeto de discussão no TCU em busca do aprimoramento dos acordos de leniência como ferramenta de combate à corrupção e à imunidade. É o caso as sanções premiais, da utilização das provas compartilhadas contra o colaborador, do estabelecimento consensual de valores para ressarcimento e do abatimento de valores já pagos por colaboradores.
“O TCU tem buscado preservar o interesse público em discussões constantes. É um esforço de convergências, e estamos caminhando para construir uma segurança jurídica minimamente possível para esses acordos de leniências. Muitas dificuldades poderiam ter sido evitadas, mas evoluímos muito após a CF/88. Os ajustes são necessários e constantes, mas estamos trilhando um bom caminho. É verdade que as instituições poderiam conversar mais, mas existe uma intenção sincera de convergência”, finalizou o palestrante.
As últimas atividades do III Fórum Jurídico acontecem na manhã desta sexta-feira, 25 de janeiro, com a palestra do desembargador federal do TRF4 Leandro Paulsen sobre “Tributação do Ilícito” e a última aula do curso “Combating Systemic Corruption”, do professor doutor da Faculdade de Direito da Universidade de Harvard Matthew Stephenson.
As palestras podem ser acompanhadas em tempo real pelo canal do TRF1 no Youtube.
Fonte: TRF1, em 24.01.2019.