A CGM (Controladoria Geral do Município), da Prefeitura de São Paulo, intensificou o uso da Lei Anticorrupção e diversificou seus alvos, que incluem de entidades na máfia das creches a empresas envolvidas na operação Lava Jato.
A legislação, porém, é menos utilizada do que poderia. Regulamentada em 2014 na cidade de São Paulo, serviu de embasamento a 26 processos no município, que decorreram em R$ 4,5 milhões em multas.
Com seis anos completados nesta quarta (29), a Lei Anticorrupção prevê a responsabilização de pessoas jurídicas no âmbito civil e administrativo. Temida pela iniciativa privada, permite a cobrança de multas de até 20% do faturamento das empresas e penas que incluem o veto a contratos com o setor público.
A gestão Bruno Covas (PSDB) tem aumentado o uso da lei e, atualmente, há ações em 59 em andamento.
Em 2016 foram concluídos dois processos com base na lei. Em 2017, apenas um. No ano seguinte, esse número saltou para 13, e, em 2019, foram 10 ao todo.
Mas dois escândalos --um local, a máfia das creches, e um nacional, a Lava Jato-- impulsionaram a abertura de processos nos últimos meses.
A Controladoria de São Paulo lidera no país no número de sanções aplicadas utilizando a lei como base, de acordo com dados da CGU (Controladoria Geral da União). São 45 sanções, entre multas e outras medidas (em seguida está o governo do Espírito Santo, com 32 registros).
O controlador-geral de São Paulo, Gustavo Ungaro, afirma que hoje há entendimento maior sobre como usar a lei e o enquadramento tem tido um escopo mais amplo, o que permite, por exemplo, abrir processos contra ONGs.
"A lei não foi feita para responsabilizar apenas grandes empresas, por isso as entidades sem fins lucrativos ficam sujeitas", afirmou Ungaro.
De acordo com ele, no caso do escândalo das creches, até agora 24 entidades foram enquadradas em processos relativos à lei.
A máfia das creches, revelada pela Folha de S.Paulo, inclui casos de desvio de verba e até comida destinadas às crianças. Em uma das investigações, a Controladoria constatou desvios de valores de encargos de funcionários, o que pode resultar em prejuízos após ações judiciais contra o município.
A prefeitura passou a investigar indícios de irregularidades nas creches após reportagens da Folha de S.Paulo e investigação da Polícia Civil.
Entre as entidades processadas com base na legislação anticorrupção, está a Associação Águas Marinhas. A polícia apurou, além dos desvios de encargos de funcionários, suspeita de desvio de alimentos. A reportagem não localizou responsáveis pela entidade, que foi descredenciada, para falar sobre o assunto.
Os responsáveis por mais de uma centena de creches também foram descredenciados. Sujeitos a multas e a serem declarados inidôneos, seriam impedidos de serem contratados por outras esferas do poder público.
A CGM abriu, em dezembro, 14 processos administrativos contra empresas da Lava Jato que realizaram obras na cidade de SP de 2008 a 2015. A cidade acessou acordos de leniência firmados por empresas com a Lava Jato em que reconhecem os crimes, e as provas obtidas embasam os processos na capital.
Segundo o controlador, as empresas são obrigadas a colaborar com os municípios, por causa do acordo de leniência. Mas as cidades podem cobrar o prejuízo.
A CGM está fazendo um pente-fino para apurar o rombo nos cofres de São Paulo, e, multas devem ser aplicadas. As empresas podem firmar também acordos de leniência com o órgão anticorrupção municipal.
Entre as empresas que são alvo dos processos, estão Odebrecht, Queiros Galvão, Camargo Correa, OAS, Mendes Junior e Andrade Gutierrez.
Parte delas tem acordos de leniência com a CGU, com a recuperação de R$ 13 bilhões dos quais R$ 3,1 bilhões já foram pagos. A expectativa é que a cidade de São Paulo também consiga recuperar valores altos.
Até o momento, o caso mais emblemático relacionado ao uso da lei na capital paulista se refere à apuração de irregularidades na Fundação Theatro Municipal, ocorridas na gestão anterior, do PT. Foram concluídos processos administrativos contra 19 empresas, e as multas somaram quase R$ 1,4 milhão.
Segundo a prefeitura, nesse caso foram desviados cerca de R$ 15 milhões, que devem ser devolvidos aos cofres municipais.
A aplicação da Lei Anticorrupção foi cercada de grande expectativa de especialistas em controle do serviço público. Para o consultor e pesquisador na área de combate à corrupção Fabiano Angélico, porém, seu uso no Brasil está aquém do que deveria. Ele diz que órgãos de controle municipais e estaduais têm menos estrutura do que deveriam para a aplicação da lei.
"É preciso ter instituições fortes, competentes, porque o setor privado é muito forte também. O Estado brasileiro também precisa ter instituições fortes para regulamentar e executar o que está na legislação", afirma Angélico.
O pesquisador ressalta que São Paulo tem uma situação relativamente melhor, devido à existência da Controladoria, de imprensa atuante, de oposição política e outros aspectos que ajudam no controle dos serviços públicos. No entanto, ainda faltam melhorias, como, por exemplo, adequação do TCM (Tribunal de Contas do Município), com inclusão de quadros técnicos entre os conselheiros.
Para Angélico, um incentivo para que a lei seja mais utilizada é a recuperação de dinheiro público em meio às consequências de uma longa crise econômica. A opinião coincide com a do controlador Gustavo Ungaro, que afirma que a CGM paulistana tem evitado mais prejuízos e recuperado verbas muito superiores ao seu orçamento.
Neste mês, a cidade ganhou uma legislação própria contra a corrupção. O prefeito Bruno Covas sancionou a Política Municipal de Prevenção da Corrupção, de autoria do vereador José Police Neto (PSD) com outros 20 integrantes da Câmara.
Entre as novidades, estão a criação do Conselho Municipal de Transparência e Controle Social e do Fundo Municipal de Prevenção e Combate à Corrupção. (Artur Rodrigues/FolhaPressSNG)
NÚMEROS
R$ 4,5 milhões e o valor em multas aplicadas com base na Lei Anticorrupção
26 é o número de processos finalizados na cidade desde 2016
59 é o número de processos atualmente em curso
Fonte: Jornal do Brasil, em 31.01.2020.