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Compliance ambiental é imprescindível à permanência das empresas no mercado

Por Dércio Carvalheda Junior e Rafael Ferreira Filippin (*)

      

No ano de 2015, a Polícia Federal deflagrou a Operação Enredados. O alvo da investigação era um esquema criminoso de concessão de licenças ambientais para empresas de pesca industrial, mediante o pagamento de vantagens indevidas a servidores púbicos. Uma das consequências dessa operação foi a revisão de praticamente todos os processos de licenciamento ambiental de empreendimentos do setor concedidos no período imediatamente anterior.

O fato é que, mesmo não tendo participado do esquema, vários empreendedores que exerciam a pesca industrial sofreram severos processos de fiscalização em seguida. Alguns empreendimentos passaram pelo escrutínio das autoridades ambientais sem maiores problemas. No entanto, outras empresas amargaram pesadas sanções administrativas: multas elevadas, embargo de equipamentos e instalações e suspensão de atividades. Decisões judiciais proferidas no âmbito da Justiça Federal de Santa Catarina e do TRF4 mostram o elevado custo de transação que esses empreendedores tiveram que suportar para manter vivos os seus negócios.

E a diferença entre uns e outros foi uma só: o compliance ambiental. Aqueles empreendedores que adotaram programas de controle, verificação e monitoramento dos padrões ambientais pertinentes e mais – tinham à sua disposição os elementos para comprovar o seu cumprimento –  passaram por essa verdadeira devassa dos órgãos ambientais praticamente ilesos; enquanto os que negligenciaram esses aspectos da sua gestão colocaram em risco a existência atual e a permanência futura de seus empreendimentos e suas empresas.

Ou seja, a principal missão do compliance ambiental é proteger a empresa, o empreendimento e o empreendedor, mas é certo também que ele tem reflexos positivos para toda a sociedade e para o ambiente. No contexto atual, em que o “capitalismo dos stakeholders” necessita comprovar a sua responsabilidade quanto aos aspectos ESG (Environmental, Social and Governance), é preciso adotar diversos tipos de compliance: o trabalhista, o tributário, o antitruste, o de integridade, o regulatório e, principalmente, o ambiental.

O ponto de partida para qualquer programa de compliance é o apoio da alta administração. Como toda e qualquer ação estratégica da organização, se a alta administração da empresa não apoiar, nada vai funcionar a contento. Seu patrocínio total e irrestrito é parte fundamental para um programa de compliance plenamente efetivo. E o apoio necessário não é somente aquele referente ao adequado orçamento financeiro do programa ou aquele ligado à estrutura tanto física como de pessoal da área. Esse apoio deve ir além: cabe à alta administração vivenciar aquilo que prega, servir de exemplo aos colaboradores, fornecedores e clientes. Enfim, é parte fundamental e, do contrário, a sua ausência significa a total ineficácia do programa.

Além disso, todo programa de compliance necessita de uma correta avaliação e gestão de riscos. Essa atividade identificará as ameaças a que a empresa está sujeita, analisará, priorizará, aplicará os tratamentos necessários e, depois, monitorará os riscos avaliados. Ou seja, a efetividade de um programa requer, sem sombra de dúvida, que ele seja lastreado numa excelente análise de riscos, para que as medidas de controle adotadas estejam em linha com o tamanho das ameaças, o que evita custos desnecessários ou medidas insuficientes.

É nessa fase que as organizações devem ter muito cuidado para não fracassar. A investigação e a diferenciação dos riscos estratégicos e dos riscos de processos, segundo o modelo de negócios adotado, permitirá a priorização adequada das ameaças. Isso acarretará decisões corretas quanto a quais riscos podem ser tolerados ou quais devem ser mitigados, diminuindo, o quanto for possível, a sua probabilidade de ocorrência ou grau de impacto.

É imprescindível que esse juízo de valor seja realizado pela alta administração da empresa devidamente amparada por uma análise técnica robusta, pois isso pode neutralizar situações como as que decorreram da Operação Enredados. Foi nessa fase de avaliação de riscos que essas empresas, que sofreram sanções administrativas e tiveram um custo de transação muito maior para atravessar o período conturbado, muito provavelmente falharam. A ausência ou deficiência da análise de riscos apropriada é o que costuma levar ao embargo, à suspensão e à multa e, também, a um quase irreparável prejuízo à sua reputação e à sua imagem no mercado. E em se tratando de empresas cujas ações ou debêntures são negociadas em balcão, o impacto certamente é ainda maior, causada pela perda de confiança dos investidores.

Afinal, pouco importa se os seus executivos nunca tenham subornado ou prometido qualquer vantagem indevida a fiscais corruptos, a falta de compliance ambiental pode levar ao fechamento do empreendimento, à falência da empresa e à responsabilização pessoal do empreendedor. Conceitos como domínio do fato e cegueira deliberada têm feito com que o alcance dos efeitos de processos e sanções seja cada vez maior e, por isso, a comprovação, por meio de evidências confiáveis, de que foram adotadas todas as medidas ao alcance do empreendedor de modo a demonstrar a inexigibilidade de conduta diversa é a alternativa que o compliance ambiental proporciona.

Pois bem, nesses casos concretos, ocorridos a partir da Operação Enredados, a experiência mostra que a efetiva gestão de riscos e um eficaz programa de compliance ambiental definiriam o destino das empresas. A adoção de metodologia apropriada, com diligências preliminares para a contratação de terceiros, para a admissão de colaboradores que viriam a ser representantes da empresa perante servidores públicos, bem como a adoção, enquanto contratante, de cláusulas a exigir que fornecedores contratados sigam determinados parâmetros são medidas comprovadamente eficazes. Se, mesmo após a adoção dos devidos cuidados ocorrer algum desvio, o risco de imposição de penalidades mais graves fica mitigado.

Enfim, por essas razões é que empresas que atuam em mercados altamente regulados não podem deixar de ter programas cada vez mais sofisticados de compliance, com estrutura interna robusta e ferramentas adequadas de atuação. Definitivamente, não se trata de mais um custo, e sim de um investimento, indispensável à sua própria permanência no mercado.

(*) Dércio Carvalheda Junior é advogado, especializando em compliance, delegado de polícia federal aposentado e pós-graduado em segurança pública.

(*) Rafael Ferreira Filippin é advogado, doutor em Meio Ambiente e Desenvolvimento pela UFPR e sócio-coordenador da área regulatória e ambiental da Andersen Ballão Advocacia.