Tema dominou os debates do primeiro dia da Semana ESG, promovida pelo portal Integridade ESG e pela Insight Comunicação, com representantes do Banco Central e da CVM, do e secretário de Fazenda do Paraná
Regulação, métricas e novas diretrizes foi o tema-chave do painel do primeiro dia da “Semana ESG: o novo paradigma ético das empresas”, evento online gratuito promovido pelo portal Integridade ESG e pela Insight Comunicação. Quatro participantes com experiência na agenda sustentável e de governança protagonizaram os debates nesta segunda-feira (8/8): a advogada ambiental, conselheira independente da EcoRodovias e membro do Comitê ESG da Abrasca, Ana Luci Grizzi; o chefe da Assessoria de Análise Econômica e Gestão de Riscos da CVM, Bruno Barbosa de Luna; o secretário de Fazenda do Paraná, Renê Garcia Jr.; e do chefe de Gabinete da Diretoria de Regulação do Banco Central, Ricardo Harris. O painel foi mediado pelo sócio da Insight Comunicação, João Estrella Bettencourt.
Ana Luci Grizzi, autora de dois livros sobre questões ambientais — Lender’s Civil Environmental Liability e Direito ambiental aplicado aos contratos —, chamou atenção para o papel concreto da agenda ESG no processo decisório das empresas.
“Quando falamos em ESG, falamos em diretrizes ambientais e sociais fundadas em uma governança corporativa que visam especificamente qualificar e atualizar o processo decisório para que necessariamente se consiga obter retorno financeiro a curto prazo. Se eu não tiver retorno financeiro, não consigo conversar com as três letras ESG. Ou seja, não estamos falando de nada etéreo ou de algo fora do mundo dos negócios”, define Grizzi, membro emérito do Conselho da The Nature Conservancy (TNC).
Ela alerta que o sistema econômico corre o risco de entrar em colapso se não cuidados com os sistemas ambiental e social, conforme apontou um relatório do Bank for International Settlements (BIS) de janeiro de 2020, ainda antes da pandemia.
Regras constituem indutores de comportamento essenciais para assegurar a aplicação da agenda ESG e para a gestão de riscos, embora não bastem, enfatizou a advogada com pós-MBA pelo Advanced Boardroom Program for Women, da São Paulo Business School. Os gestores podem atingir métricas se seguirem as fases do fluxograma que conduzem ao relato.
“Em tese, eu só relato depois de ter passado pelo aprimoramento do meu sistema de gestão de risco corporativo, sempre seguindo os princípios de transparência e integridade. E os meus dados disponíveis para o mercado devem ser baseados nos 4 C’s: claros, consistentes, confiáveis e comparáveis. Caso contrário, significa que não estou fornecendo ao mercado os dados corretos para a tomada de decisão de alocação e capital, seja para produtos mais simples de consumo, seja para produtos mais elaborados”, explica.
Greenwashing está no centro das preocupações dos órgãos reguladores, cita superintendente da CVM
O economista Bruno Barbosa de Luna apresentou os resultados de um estudo encomendado pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) intitulado “A agenda ASG e o mercado de capitais -- Uma análise das iniciativas em andamento, desafios e oportunidades para futuras reflexões da CVM”. Bruno, que é superintendente-chefe da Assessoria de Análise Econômica e Gestão de Riscos da CVM, citou o crescimento de 50%, entre 2016 e 2020, dos ativos ESG sob gestão em países como EUA, Canadá, Austrália e Japão. A previsão é que, em 2025, mais da metade desses ativos no mundo estejam relacionados à agenda ESG.
A taxonomia é crucial para o avanço da agenda ESG e para afastar os riscos da chamada lavagem verde, ressalta
“O greenwashing é, hoje, disparado, a principal preocupação dos reguladores e das companhias, principalmente entre aquelas que têm uma política sólida ESG. Esse risco é potencializado quando não temos uma taxonomia, por isso acho que é um grande ponto de discussão. Já existe um grupo de trabalho coordenado pela CVM sobre esse assunto. Enquanto não tivermos taxonomia, esse fantasma vai continuar nos rondando”, alerta Bruno de Luna, membro do Non-Bank Financial Intermediation Group do Financial Stability Board, órgão ligado ao G20, e do Comitê de Riscos Emergentes da International Organization of Securities Commissions (IOSCO).
Para ele, os órgãos reguladores não devem “reinventar a roda” no âmbito ESG, e sim usar os padrões existentes, alinhados aos parâmetros internacionais, para ampliar as iniciativas de transparência e governança.
“Não há bala de prata, seja da parte da CVM, seja da parte de outros reguladores. Temos que avaliar ainda uma segunda derivada em termos de transparência, conforme as discussões avançam. O mercado mostra, atualmente, grande preocupação com a comparatividade e a confiabilidade nos dados reportados de forma voluntária pelas companhias”, pondera, destacando a importância da resolução 59 da CVM, que dita as regras do formulário de referência.
O secretário de Fazenda do Paraná, Renê Garcia Jr., falou sobre os impactos da política de cada empresa em relação aos impactos socioeconômicos ambientais, e aos possíveis desdobramentos na comunicação e no balanço.
Ele alerta sobre o risco de se criar “ilhas de excelência” no mercado sustentável:
“Os críticos do sistema ESG alertam sobre o risco de se criar ilhas de excelência para valorizar empresas que hoje têm práticas sustentáveis, em detrimento de outras que não as praticam, e de como isso pode direcionar a alocação de recursos. E observamos que países estão competindo com outros países, pois alguns são tomadores de regras, enquanto outros são formuladores. Cria-se, de certa forma, um racionamento de crédito”, comentou.
Companhias acabam ficando de fora de práticas de sustentabilidade e governança por diversos motivos, como falta de adequação e de capital necessário.
“Há empresas de mineração que desconhecem práticas ESG e preferem continuar maximizando resultados de curto prazo em detrimento do gerenciamento de risco ambiental. Hoje, as duas maiores empresas de valor de mercado em bolsa nos EUA adotam práticas trabalhistas extremamente questionáveis”, cita Renê.
Renê, que já foi presidente da CVM e coordenador de projetos do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), da FGV, questionou o papel do Estado como financiador de empreendimentos que possam entrar em contradição com os preceitos sustentáveis.
“Será que cabe ao Estado direcionar crédito privado para viabilizar projetos bonitos do ponto de vista conceitual, mas inconsistentes do ponto de vista existencial?”, indaga.
Banco Central tem o papel de preparar o sistema financeiro para as mudanças climáticas
O chefe de Gabinete do Diretor de Regulação do Banco Central (BC), Ricardo Harris, explicou a relação direta entre as mudanças climáticas e a saúde do mercado financeiro.
“As mudanças climáticas podem ter relevante impacto financeiro, com efeito nos preços de alimentos, energia e por aí vai. Deixam as economias mais vulneráveis aos choques econômicos. Em 2021, por exemplo, tivemos no Brasil uma seca prolongada que impactou nos preços”, cita.
Ele relembrou os primórdios da agenda ESG no radar do mercado financeiro mundial. Nem sempre a imprensa apoiou a preocupação com a mudança climática por parte dos bancos centrais.
“Em 2017, foi fundado o Network for Greening the Financial System (NGFS), que hoje são os bancos centrais focados em discutir a mudança climática global. No início, eram oito membros, que correspondiam a 30% das emissões globais. Hoje, são mais de 115, representando mais de 85% das emissões. O Banco Central do Brasil é membro desde 2020 e faz parte do seu comitê central”.
O diretor do BC destacou três papéis essenciais dos bancos centrais no âmbito da agenda ESG: ajudar na conscientização dos riscos das mudanças climáticas; assegurar que o sistema financeiro esteja pronto para enfrentar essas mudanças, como as transições energéticas; e dar transparência aos riscos e às oportunidades, conferindo disciplina de mercado na concessão de crédito financeiro, por exemplo.
“Um banco central precisa assegurar um gerenciamento adequado dos riscos de choques climáticos, que podem afetar setores específicos da economia real, como agropecuário, imobiliário, e gerar, por tabela, vulnerabilidades do sistema financeiro. O aumento da frequência de choques climáticos no mundo inteiro custou 2,5 trilhões somente na economia global na década passada e 1 trilhão na década anterior. E o Brasil não está imune. Um estudo do Inmet calculou que R$ 170 bilhões foram gastos na década passada, no país, devido a fenômenos climáticos, como secas, estiagens e inundações”, citou.
Além disso, na transição para a economia de baixo carbono, alguns ativos podem perder valor rapidamente, a exemplo das reservas de combustíveis fósseis e das mudanças sem precedentes no setor de transportes em decorrência da adoção dos veículos elétricos e da eliminação gradual dos motores de combustão.
A Semana ESG continua amanhã, com mais dois painéis na programação. No primeiro, que começa às 9h, o tema é Responsabilidade social e impacto real na sociedade. Participam desse encontro: Eduarda La Rocque, ex-presidente do Pacto do Rio; Rubem César Fernandes, diretor executivo do Viva Rio; e Vandré Brilhante, presidente do CIEDS. O segundo painel, às 10h30, tratará do tema Empresas ESG: o valor da comunicação corporativa. Para esse último debate do dia, os palestrantes confirmados são Marco Simões partner da MSDpar Sustainable Investments; Marcus de Barros Pinto, superintendente de comunicação da Neoenergia; Paulo Nassar, presidente da Aberje; e Suzane Veloso, diretora de comunicação e marketing da Falconi.
A programação completa está em: Link
Fonte: Insight , em 08.08.2022